
Uma defesa da universidade pública contra o obscurantismo
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Vivemos em um tempo extraordinário.
As portas do conhecimento estão abertas como jamais estiveram antes.
E no centro dessa grande aventura humana estão as universidades públicas.
Elas não são apenas prédios ou salas de aula; são os grandes templos do pensamento, lugares onde a humanidade ousa sonhar, explorar e compreender o universo.
Esse texto é uma defesa da universidade pública.
Universidades públicas como premissa das sociedades modernas
Considere por um instante como seria sua vida sem a internet.
É quase impossível imaginar, não é?
Essa rede, que hoje conecta bilhões de pessoas pelo planeta, nasceu em instituições como UCLA e Stanford, fruto da imaginação e curiosidade de cientistas e estudantes financiados pelo investimento público.
Sem esse impulso inicial, não haveria Google, redes sociais, nem comércio eletrônico.
Pense agora no celular que você segura nas mãos.
Sua tela sensível ao toque, que responde delicadamente a cada movimento dos seus dedos, surgiu de pesquisas acadêmicas feitas na Universidade de Delaware.
A tecnologia GPS, que lhe orienta em caminhos desconhecidos, foi desenvolvida inicialmente por cientistas da Johns Hopkins University.
Até mesmo as baterias de íon-lítio, que dão energia ao seu dispositivo, tiveram suas bases lançadas nas universidades como Oxford.
Cada uma dessas invenções começou com alguém se perguntando: "Como podemos entender melhor o mundo ao nosso redor?"
Na medicina, o impacto das universidades financiadas com recursos públicos é simplesmente incalculável.
A insulina, que salvou milhões de vidas ao transformar o diabetes de sentença fatal em doença administrável, foi descoberta na Universidade de Toronto.
Mais recentemente, a revolucionária tecnologia CRISPR-Cas9, que permite editar geneticamente o código da vida, nasceu das pesquisas feitas nas universidades da Califórnia-Berkeley e Umeå, na Suécia.
Elas representam mais do que apenas avanços científicos: representam esperança, cura e um futuro melhor.
E aqui no Brasil, não estamos distantes dessa realidade.
Nosso agronegócio, que alimenta o mundo, deve muito às pesquisas feitas em universidades públicas brasileiras e na Embrapa, que adaptaram culturas como a soja às condições tropicais.
A Embraer, símbolo da inovação e tecnologia nacional, nasceu dentro das salas do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Essas realizações mostram claramente o que somos capazes de fazer quando decidimos apostar no conhecimento e na ciência.
Voce realmente acredita que teria acesso a tantas maravilhas da modernidade sem essas instituições?
Outro dia escutei de um amigo que jamais contrataria um estudante de universidade pública porque, segundo ele, esses estudantes só se preocupam com direitos das minorias e questões que ele rotula como imorais.
Essa afirmação, carregada de preconceito e superficialidade, ignora completamente o valor inestimável que as universidades públicas oferecem à sociedade.
No meu caso, eu sempre privilegiaria ouvir o aluno da universidade pública.
Passou por um vestibular mais difícil, não teve tratamento privilegiado por ser filho de algum figurão ou ter mais dinheiro no bolso.
As chances são maiores de ter tido uma boa formação do que se fosse egresso de universidades particulares.
A defesa da universidade pública é fundamental à prosperidade
Chamar liberdade intelectual de imoralidade é o truque mais velho do autoritarismo.
Não é a moral que move quem ataca a universidade pública.
É o medo do pensamento livre.
São justamente esses espaços acadêmicos que estimulam uma consciência crítica, promovendo debates sobre direitos fundamentais, justiça social e dignidade humana.
O respeito pelas minorias não é apenas uma questão moral; é uma condição essencial para o desenvolvimento de uma sociedade democrática, inclusiva e próspera.
Confundir esses valores com imoralidade revela não apenas ignorância, mas um medo profundo da liberdade intelectual e do pensamento crítico.
Precisamos lembrar que é exatamente na diversidade e no respeito às diferenças que as grandes sociedades avançam cultural e eticamente.
Vale lembrar, inclusive, que a própria constituição assegura a liberdade de crença e de consciência - tanto para que o cristão seja livre para professar sua fé, quanto para que libertinos façam graça com a fé alheia.
Esse é o espírito da liberdade de expressão.
É preciso dizer claramente: aqueles que criticam as universidades públicas sob o pretexto de que são ambientes libertinos e imorais revelam, na verdade, sua própria incapacidade de lidar com a liberdade intelectual e o espírito crítico que caracterizam
essas instituições.
O verdadeiro perigo não está na busca pela verdade ou na diversidade de ideias, mas na censura e no medo daqueles que preferem a ignorância à liberdade.
Como bem alertou Carl Sagan, "vivemos em uma sociedade profundamente dependente da ciência e tecnologia, na qual ninguém sabe coisa alguma sobre esses temas. Isso é a receita certa para o desastre".
Combater as universidades públicas é caminhar precisamente nessa direção: o desastre do obscurantismo.
E pior: quem vai padecer com a desvalorização de universidades é a massa de cidadãos acríticos, que terão acesso a um ambiente econômico pior e mais ineficiente.
É fundamental perguntar, portanto: quem ganha com o desmonte das universidades públicas?
Quem beneficia-se da ignorância e da rejeição do progresso?
Não somos nós, cidadãos comuns, nem nossos filhos ou netos.
Quem lucra com o obscurantismo são aqueles que preferem uma sociedade dependente, desinformada e controlável.
Mas nós sabemos que o verdadeiro progresso só acontece quando há liberdade para pensar, questionar e explorar.
Nenhum país prosperou sem universidades fortes, com vultuosos financiamentos públicos.
Alemanha, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul provam isso, investindo pesadamente em ciência e educação superior.
Países que abandonam o conhecimento inevitavelmente caem em ciclos de pobreza, dependência e atraso.
A alternativa mais plausível - recorrer a universidades privadas, sequer se qualifica como opção plausível.
A qualidade média das universidades privadas brasileiras é muito ruim.
Basta ver qualquer indicador, nacional ou internacional, para chegarmos a essa conclusão.
Muitas dessas instituições não priorizam pesquisa ou inovação, mas operam em uma lógica enviesada, em que o aluno é visto apenas como cliente.
Vivi pessoalmente essa distorção quando decidi deixar uma universidade privada, após a direção tentar me obrigar a aprovar um aluno cuja monografia havia sido plagiada duas vezes.
Na primeira, dei um prazo para ele corrigir o problema e apresentar novo trabalho.
Na segunda revisão, percebi que o aluno insistira no erro, com a cara mais lavada do mundo.
E a direção continuara a me pressionar para aprová-lo.
Depois do episódio, me desliguei da instituição, pois logo vi que ali a coisa não era séria.
Esse é o tipo de realidade, comum nas universidades privadas, que prejudica profundamente a qualidade da educação e compromete o verdadeiro propósito acadêmico.
Poderia tal evento ocorrer em uma universidade pública, claro.
Mas, como nelas não impera a lógica crua do dinheiro - o "paguei, passei", não há pressão alguma para que docentes ajam dessa maneira.
Fiz toda a minha trajetória em universidade pública - uma graduação, dois mestrados e um doutorado - e sempre encontrei nela um espaço aberto ao debate.
É verdade que há pessoas ideologicamente enviesadas (como em outros lugares), que não admitem aprender algo de novo.
Mas também encontrei muitos espaços extremamente dispostos a ouvir minhas ideias.
Estamos diante de uma escolha vital.
Defender as universidades públicas é defender o futuro, a dignidade humana e a infinita curiosidade que nos impulsiona a explorar e descobrir.
Cada universidade pública é um luminar no caminho da humanidade.
Defender a educação pública e gratuita é defender o que há de melhor em nós: nossa capacidade ilimitada de compreender, crescer e evoluir.
Vamos juntos defender esse sonho.
Nele reside a promessa mais profunda e inspiradora que podemos oferecer às próximas gerações.
Se o conhecimento assusta, o problema não está na universidade.
Está em quem tem medo dele.